sábado, 29 de junho de 2013

Corram!

Vão ver o filme "Soldier's Girl" e digam que o amor não é um verdadeiro arco-íris :)

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Novelas

É incrível a nossa capacidade de complicar coisas muito simples.
Tipo a amizade.

Há um ano que trabalho em Portimão.
Longe dos meus pais. E do meu amor. E dos meus amigos mais queridos.

Quando aqui cheguei encontrei uma família que me acolheu tão bem.
Tão bem :)

De repente, sou quase das últimas a perceber que estão todos magoados uns com os outros.

Eu, quando faço alguma coisa que a minha mãe não gosta, ela é a primeira a apontar-me o dedo. E ainda me chama parva por cima.
Eu gostava que a minha família algarvia me visse como família mesmo. E me tratasse como a minha mãe, mal eu faço asneira.
Porque a gente vai guardando porcaria cá dentro. E um dia despeja na hora errada, com as pessoas erradas. Tudo fora do contexto.

E depois dói.
As pessoas magoam-se sem necessidade.

Eu contra mim falo.
Que complico tudo.
Guardo até ao último minuto.
Choro com uma facilidade danada.
Sou feita de vidro e parto com muita facilidade.

Tenho chorado tanto nos últimos dias.
Porque, às vezes, nem parece que estou em casa.

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Eles eram um casal de belgas

Ela aguardava ida ao bloco.
Ia fazer curetagem.
Um aborto retido.

Sem dores.
Sem perdas hemáticas.
Nada.

Demos-lhe nalador.

Campainha acesa.
Entro no quarto, ela sentada na sanita.
Ele ao lado dela.

Ela explica-me que começou a sangrar.
Tranquilizo-a. Foi da medicação. Dou-lhe uma cueca fralda. Digo-lhe para permanecer na cama.

Campainha acesa.
Entro no quarto, ela sentada na sanita.
Ele ao lado dela.
Segurava em lenços ensanguentados.

Abro os lenços.
Lá estava ele.

Do tamanho de um fruto. Tipo uma pêra ou assim.
A marca dos olhos.
Os braços, as pernas.

O ser humano mais precoce que eu já vi.

Olhei para eles.
Baixei-me ao nível dela. Continuava sentada na sanita.

- Hey. How are you?
- I'm ok. Really.
- [Ainda bem, porque eu estou quase a desmaiar e preciso de alguém que me assista] Let's go to bed. I'll help you.

Deixei o quarto.
Os dois. Tão calmos.
Tão cúmplices.

E eu a tremer por dentro.
Sem saber se aquilo ia para o lixo ou para Anatomia Patológica.

Cheguei à sala de sujos e olhei mais uma vez.
A forma tão humana, já...

Foi para o lixo.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Pequeninas, coisas pequeninas

Há um médico no meu hospital que eu odeio.
É mal-criado. É negligente. Faz visitas a correr. Não liga aos doentes. Não lhes responde objectivamente às perguntas.
Odeio. E ele odiava-me a mim também. Até ao momento em que eu aprendi a sorrir-lhe, ainda que contrariada. Rio-me para ele e isso basta para que ele passe toda a medicação que sugiro, peça análises, tudo tudo tudo!

Hoje visitou uma doente com uma gastroenterite.
Disse-lhe que a PCR estava elevada. Disse-lhe que tinha leucocitose.
A mulher, holandesa com um inglês péssimo, disse-lhe que tinha diarreia. Respondeu que ia prescrever loperamida.

Saio do quarto para ir buscar um comprimido.
Volto estava a mulher em lágrimas. Pergunto-lhe o que se passa. Ela diz que está nervosa. Fala com o marido em holandês.

Sento-me ao lado deles. Pergunto-lhe se eles estão a perceber o que se passa.
O marido responde-me so and so.

Pego num papel de limpar as mãos.
Desenho um estômago e os intestinos.
Digo, de uma forma muito simples, que o sistema digestivo está irritado. Provavelmente alguma coisa que ela comeu... Explico-lhe o que é a PCR e o que são leucócitos. Associo os valores elevados à inflamação.

Tranquilizo-os. Vai tomar a loperamida e as diarreias vão parar. Depois tem também o antibiótico. O soro para mantê-la hidratada. Vai ficar tudo bem. Nada de lágrimas!

Saio do quarto.
A mulher mais calma. O marido oferece-me 20 euros e dá-me pancadinhas nas costas enquanto sorri.

E ser enfermeira é isto.
Coisinhas pequenas que fazem tanta diferença.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Da dor

A A. é pele e osso.
Uma velhinha inglesa de 68 anos, que mais parece ter 80.

Fiz noite e ela não estava bem.

Prostrada, mas reactiva a estimulação verbal. Orientada.
Normotensa. Ligada a telemetria. Traçado de base sinusal, normocárdica. Saturava a 98% com oxigénio a 3,5L/min por cânula nasal.
Os membros espásticos.
Segurou-me o braço com tanta força, quando a virei para trocar a fralda.

- A., do you need a painkiller?
- Oh. Yes, please.

Vejo a folha de terapêutica. Analgesia de resgate: paracetamol.
Ligo ao médico de urgência. Sou autorizada a dar morfina.

Limpa e posicionada. Medicação administrada.
A A. agradece e até sorri, de olhos fechados.

No quarto, há um cadeirão, onde a A. se sentava, quando estava melhor.
Cubro-o com um lençol.
Encolho-me ali. Fecho os olhos, na tentativa de amenizar o sono que se abate sobre mim depois das três da manhã.
De vinte em vinte minutos, a A. acorda. Incapaz de usar a campainha. Grita por água.

E eu dou-lhe. Copos e copos. 1900 mililitros no total.

Numa das vezes, em que ela fecha os olhos, e eu estico-me no cadeirão, penso. Morrer sem ninguém por perto deve ser muito muito triste.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Querido Pai Natal


É isto!
:)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Querido espelho da Stradivarius:

Obrigada.
Andava há dois dias em formação com enfermeiras chiques e não me tinha apercebido de que estou com um bigode maior que o do meu pai.

Fizeste-me ir ao Jumbo, de propósito, gastar quase cinco euros numa pinça miserável!

Está uma mulher de soutien e calças de pijama, na casa de banho da pousada da juventude, a arrancar o bigode, quando entra um indivíduo do sexo masculino, loiro albino, com todo o ar de estrangeiro, e fica congelado a olhar para mim. Não diz uma palavra.

Viro-me de frente para ele.
- Ladies washroom.
Sorrio. (Sou mesmo uma bomba latina).

Atabalhoado, no meio de tantos I'm so sorry e olhos pousados no meu soutien preto rendado, dá meia volta e desaparece.

Continuo a arrancar pêlos do buço.
A rever mentalmente a medicação utilizada para alívio dos sintomas mais frequentes num doente terminal.
Amanhã tenho avaliação.
Já disse que adoro cuidados paliativos?