segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Eles adoram-me

- Good morning.

Silêncio.

- I've got your tablets, darling. Could you take them for me, please?
- No.
- Come on. Just two small ones. They're important for your...
- I-said-no!

Sento-me na cama.

- Ok, Rita. By the way, do you know my name is Rita, too? I come from P...
- Oh, shut the fuck up!

domingo, 28 de novembro de 2010

Ninguém é perfeito

Ainda pela web-cam.
- Ritinha, e que idade é que ele tem?
- Trinta.
- É rico?
- Muito. É tão rico que quando aqui chegou dormia numa tenda…

Nos últimos dias tenho escrito mais do que é costume.
Passo a maior parte do tempo sozinha. Penso muito. Como ainda mais.
Não tenho com quem conversar.
Por isso, conto a minha vida a uma folha de papel.


Desde que cheguei, o R. é a única pessoa com quem converso (ao-vivo-e-a-cores) sobre coisas que não sejam medicamentos, planos de cuidados e enfermagem em geral.

O R. gosta da minha luz. Sei lá bem o que ele quer dizer com isto.
Só sei que gosto.

Não há muita coisa que eu aprecie em mim.
Ok. Gosto do meu pescoço.
Tirando isso, adoro falar mal de tudo.

Ultimamente pus-me a pensar...
No quanto a minha vida mudou.
Estou longe.
Dos meus pais. Dos meus amigos. Da minha casa de sempre.
Não conheço ninguém. Mal consigo expressar-me.

Tenho muitos defeitos.
Mas não me falta fibra.

No outro dia, escrevia à S. e ao M. sobre o R..
Aliás, farto-me de falar dele a quem me queira ouvir.
Giro, educado, cheira bem.
Faz-me rir.
Ri-se ao ver-me comer.
Dá-me espaço.
Olha-me nos olhos durante muito tempo, sem dizer nada.

Demasiado bom para ser verdade.


Se calhar cheira mal dos pés.

Juro que não percebo.
Por que é que não abro a porta e o deixo entrar?
Será algum desequilíbrio hormonal? Ou os medicamentos?
Medo de me apaixonar a sério?
Medo de fazer amor com um homem, depois de tanto tempo?

Só de pensar em tirar a roupa e expor a minha carne à vista de alguém, dá-me um nervoso.

Qual enfermeira?
Vou mas é para freira.

A família toda

À volta do portátil da minha mãe.
Web-cam ligada.

Tia S. - Titinha, 'tás-me a ver?
Eu - Sim, sim, tia. Blábláblá.

O meu pai a mexer nas definições da câmara.

Mãe - Que 'tás tu p’raí a fazer?
Pai - É p’ra se ver melhor, ó. 'Tá calada que tu disto num percebes.

Carrega numa tecla.
Eu continuo a ouvi-los. Ninguém me ouve a mim.

Mãe - Olha! Já estragaste isto!
Pai – Eu? Eu nem mexi em nada. Mexi, S.?
Tia I. – De que é que ela se ‘tá rir?

Quer-me parecer que o jeito para a tecnologia é genético.

Domingo de folga numa imagem


sábado, 27 de novembro de 2010

Sábado à noite

É hora Disney.

Sei as músicas todas de cor.
Há coisas que o tempo não apaga. Nunca nunca.
Mesmo que um dia fique velhinha e senil. Vou lembrar-me.

O meu favorito: A Pequena Sereia.
Mas tem de ser nesta versão brasileira.



Também morro de amores pela Pocahontas e pela Mulan.
E ainda choro baba e ranho com o Rei Leão e com o Papuça e Dentuça.

Qual é o vosso favorito?

Isto é cada filho-da-mãe

Ligo o MSN e aparece-me a namorada do Cristiano Ronaldo.

Como é que um labrego pode ter um avião destes?
Hum?

Achei

Chris, eram estes os muffins de que falavas no facebook?


O meu negócio é chocolate amargo.
Mas pronto. Fiz o sacrifício.

Fim de Novembro

Quase um mês depois de ter chegado, cai a primeira neve.
A vista da minha sala é esta.


Aquecedores no máximo.
Chávena de café na mão.
Cabelo por pentear e olhos ainda com remelas.
É o meu Sábado de manhã.


Ontem recebi uma mensagem do G.
Não chorei. Mas o meu coração disparou.
Tenho saudades de ter companhia. Sem ser das plantas e flores cá de casa.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Ao telefone com o meu querido P.

- Blábláblá. E que fizeste hoje?
- Olha, nada. Arrumar a casa... Organizar tralha... Depilação...
- Depilação?! Ei lá. Vais comer o checo?
- ... Sim?!
- Fogo. 'Té q'enfim.
- O que é que visto?
- Ui. Blábláblá-eu-não-sei-bem-mas-acho-que-gajos-straight-gostam-de-langeries-pretas-e-de-rendinhas-blábláblá...
(Perdida de riso) - Ó P... Achas mesmo que vou p'ra cama com o R.?
- Ó! Vai! Vai!
- 'Tá bem, vou com ele p'ra cama. Dormir. E babar-lhe a camisola como da última vez. Ah, e a propósito. Obrigada pelos conselhos. Vou lembrar-me de ti da próxima vez que comprar cuecas.

90% da minha roupa interior é aos bonecos.
Que segundo o P. é infantil e corta-tesão.
Faz-nos sentir um bocado pedófilos.

Eu até sou boa rapariga

Quando pessoas que andaram contigo na escola começam a casar, enquanto que tu não namoras há mais de quatro anos, é motivo para alarme?

Ahahahahaha!

Folga

Quando não trabalho vou à cidade procurar coisas baratas para a casa.
Sou capaz de perder horas a fossar as lojas de artigos em segunda-mão.

Este banquinho custou 4 libras e é um amor.


Em compensação, compro iogurtes caros :)


Quem me conhece sabe que eu tenho a mania das limpezas.
Não é verdade, F.?

Então.
Quando uma tolinha não consegue tirar as manchas da parede da cozinha, nem com lixívia, ela desenvolve outra técnica.
A do disfarce.


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Os que me saem na rifa

O P. tem um feitiozinho que deus-me-livre.
Ninguém gosta dele.
E ele ‘tá-se nas tintas p’ra isso.

Amputado de uma perna. Tem uma ferida infectada na outra.

Como sou nova no Centro gosto de ir falar com os utentes.
Ainda que na maior parte das vezes não perceba metade do que eles dizem.
Anyway.

Começamos a conversar em inglês da primária.
E eu toda convencida.
Toma! Ele não gosta de ninguém, mas até vai à bola comigo.

Acontece que, de há uns dias para cá, começou com uma conversa…
Que eu sou uma menina muito bonita e mais não sei quê.
Perguntou-me se tenho namorado e eu respondi-lhe que gosto de estar sozinha. Que tenho uma personalidade difícil e ninguém está p’ra me aturar.

Depois pediu-me um beijo na boca e disse que me amava muito.
Comecei-me a rir.
Não te rias de mim. É por ser velho e não ter uma perna? É?

Agora, o P. toca à campainha de 15 em 15 minutos.
Se mando um auxiliar ter com ele, pede para falar pessoalmente comigo.
Aquilo que no início me deu vontade de rir já perdeu a gracinha toda.
E eu fico nervosa só de pensar que tenho de lhe levar os antibióticos.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Querida pessoa


Que deitou esta caixinha ao lixo.

Thank you very much.

Não imagina o quanto ela fica bem na minha casa sem móveis.

Duas dicas infalíveis...

Para acabar com o possível interesse de alguém por nós.

Primeira.
Convidar a pessoa para ver um filme na nossa casa e adomecer no ombro dela.
Isso demonstra logo o quão excitadas estamos.
Melhor ainda será acordar e perceber que lhe babámos a camisola.

Segunda.
Manter as pernas neste estado.

Fim-de-semana

Em dois dias trabalhei 24 horas.
Depois é isto.


O meu fim-de-semana começou na Segunda.
Acordo às oito quando não vou trabalhar e tomo o pequeno-almoço devagarinho.


Depois entretenho-me.
Ó pra mim J.!


:)

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Conhecemo-nos há uma semana

Estivemos juntos duas vezes.

Na primeira vez, deu-me isto.
Na segunda, isto.


Muita gente pode achar que é um presente mesmo parvo para se dar a alguém.
Eu adorei.

Alguns amigos meus não imaginam que uma caixa de cereais para o leite me possa fazer tão feliz.
O R. acertou logo.

Há muito tempo que um homem não me toca em condições.
Por isso, basta-me sentir o braço dele à volta dos ombros para me arrepiar até à espinha. Ó-mái-gódeeee!

Hoje fui ao supermercado. Fiquei a olhar para uma caixa de Durex durante três minutos e a pensar.
Não trouxe.

Simples.

Não me apetece ir para a cama com ninguém.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Estúpida, pá!

Conheci um checo.
Lindo de morrer.
Olhos azuis-ou-verdes-ou-lá-que-é.
Cheio de brancas em idade precoce.

Convidou-me para jantar e eu, que não converso com ninguém em condições nas últimas semanas, aceitei. Ó p'ra mim, armada em esquisita.

Sabe falar português-brasileiro.
Faz trabalho comunitário e bioenergético.
Tem uns dentes neoblanc.

Deu-me isto.


Ofereceu-se para me trazer a casa.

Podia ter aceite.
Provavelmente acabávamos na cama a fazer amor noite dentro.

Mas não.
Não vale a pena. É já aqui à beira.

Bazar da China



Tudo o que existe na minha casa veio da loja dos trezentos.
A qualidade é não-mexas-muito-que-parte.
Mesmo assim, a-do-ro.

domingo, 14 de novembro de 2010

Help!

Sandra, quem é que vai tirar o pêlo branco que me nasce queixo?

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

AVC

Ou ABS, como diria a minha mãe.

Para os meus queridos leitores que não sabem o que é e têm preguiça de ir ao Google pesquisar, vou ser breve.
Pondo de parte o palavreado médico, um Acidente Vascular Cerebral acontece quando o cérebro deixa de ter oxigénio suficiente.
Geralmente, isto acontece porque alguma veia ou artéria entupiu.

Ontem, enquanto ajudava a J. no banho, pumba.
As pernas perderam a força.
A boca deformou-se.
Vomitou.
Fez cocó nas cuecas.

Uma coisa é cuidar de gente que teve um AVC.
Outra coisa é ter um a acontecer à nossa frente.

Quando digo que os velhinhos do Centro são um amor, vocês nem imaginam.
- Don't worry. I'm alright. I like your hair.

Depois perdeu os sentidos e desmaiou-me nos braços.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

As vantagens de fumar

Ok, ok.
Sou profissional de saúde e é uma vergonha.
Aumenta a probabilidade de vir a sofrer de uma série de cancros e não sei quê.

Mas também é um passaporte para conhecer pessoas.
Á pois é! Estou a fazer progressos.
Dez minutos de conversa com um holandês.
Falamos do Stonehenge e das leis da Física.

Sem propostas indecentes. Que é a melhor parte.

Aposto que vocês também jogavam a isto...

Ó-giró-fléme-micá-danzé-milú-ó-giró-flé-jámi-ó-giró-flé-é-me.

A vossa versão também era assim?
Ou a letra era diferente?

:)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Este post é dedicado aos meus colegas

No Centro onde eu trabalho, as enfermeiras não fazem um cú.
Ainda assim, acham-se super atarefadas e cheias de trabalho.

Se fizessem uma manhã num dos nossos Serviços, eram, muito provavelmente, internadas nos Cuidados Intensivos.

Aqui eu tenho elevadores. Quatro auxiliares. Poucos doentes. Muito tempo.
Sabem aquela intervenção pateta que aprendemos na escola?

Adequar dieta de acordo com as preferências do utente.

E que depois chegamos ao hospital e as enfermeiras riem-se da nossa ingenuidade?
E descobrimos que não é possível?

Aqui é. Há um chefe de cozinha. Só temos de lhe dizer que o senhor X não gosta de cebolas.

Para muitos colegas meus, a situação é diferente.

Não têm elevadores. E têm doentes pesados.
Usam a força do corpo e magoam as costas.

Têm doentes dependentes.
Que precisam de banho. De fralda. De creme. De alguém que os vire na cama.

Têm muitos doentes. Pouco tempo. E poucas ajudas.
Mas mesmo assim, fazem.

Uma vénia para eles.

Ó pá!

Uma pessoa levanta-se às seis e meia da manhã para ir trabalhar.
Vai à casa de banho fazer chichi e lavar os dentes. O que é que encontra no caminho?
O super-violador de boxers.
Pior. O super-violador de boxers aos bonecos!

Por que raio é que eu não sou assediada por tipas destas?
Por que é que só me saem lingrinhas ou agentes imobiliárias com excesso de peso?
Alguém me explica?

sábado, 6 de novembro de 2010

Companheiros

No fim-de-semana passado, o G dizia que, por esta altura, eu já ia estar rodeada de novos amigos ingleses.
O Peter. A Sally. A Jennifer.

A verdade é que passei o Sábado sozinha.
Sozinha não. Com uns amigos. Mas esses já vocês conhecem.
Chamam-se Pão, Bolachas e Chocolate.


Os ingles são snobs. Assino por baixo.
São simpáticos comigo, a maior parte das vezes. Mas é só por cortesia, parece-me.
Estão muito longe de ser afáveis e acolhedores. Tirando os velhinhos do Centro onde trabalho.

Ontem mantive uma conversa de mais de dez minutos com um senhor.
Pensei que fosse uma excepção à regra. Uau! Um inglês tão falador como eu.

Ele contou-me que ia à igreja. Eu disse-lhe que era enfermeira.
Falámos de animais. Ambos vegetarianos.
E blábláblá.

Até que ele começa com uma conversa...
I like you. Really. Can I take a picture of you?
Se calhar não era nada, mas eu que sou medricas, vi logo um super-violador-com-as-garras-de-fora.

Hoje de manhã sentou-se à minha beira para tomar pequeno-almoço. Dei-lhe good morning com a pior cara que pude e enfiei os olhos num livro.
Convidou-me para ir ao Stonehenge e eu menti-lhe ao dizer que já tinha planos com o meu boyfriend.

Em vez de ir ao Stonehenge fui comprar um frigorífico.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Enfermeira outra vez

Hoje, o T. teve uma crise.
Atirou-se da cadeira abaixo.
Começou a falar com ninguém numa língua que só ele percebe.

A I. tem 96 anos, uma insuficiência renal e um bigode capaz de competir com o do meu pai.
Dei-lhe bom dia e ela respondeu-me com um sorriso amoroso de um só dente.

Os velhinhos cuidam muito bem de mim.
Babam-se. Dizem coisas tontas. Riem-se sem motivo nenhum.
Fazem-me esquecer que o meu inglês é péssimo.
Vão morrer em breve. Como a senhora de ontem, a quem foram feitas manobras de reanimação inúteis.

As saudades que eu tinha disto...

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A minha vida aqui é assim:

Nos últimos dois dias deitei-me às nove da noite.
Chego à cama e no minuto a seguir não adormeço. Morro.


Abri uma conta para poder alugar uma casa. O meu saldo deve dar vontade de rir aos senhores do banco. Quarenta e nove libras.

Sinto-me uma burra.
Metade do inglês passa-me ao lado.
Há pessoas extremamente gentis. Que dizem que o meu inglês is excellent.
Há outras que reviram os olhos quando me engano na gramática das frases.

Hoje, na imobiliária, fui assediada.
Darling isto. Honey aquilo.
Apertei-lhe a mão em forma de agradecimento. Cheirou-me o pulso.
Segundo ela, o meu cheiro era lovely e o meu perfume very feminine.

Hoje tive sete horas de formação seguidinhas.
Do pouco inglês que apanhei deu para perceber que muitas das técnicas que aprendi na escola são arcaicas.
Trabalho, oficialmente, num hotel de cinco estrelas para a terceira idade. Bibó luxo!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Meus amigos...

J., morri de riso com isto.

(...) E arranja-me uma inglesa :p E arrnanja uma casa com sitio pa eu ficar uns dias (chama-se a isto "auto-convite" :p).


M., morri de pranto com isto.



Ai que emigranta, ó!


Obrigada aos dois. Que rir e chorar fazem ambos falta.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Começa bem, começa...

Chego ao comboio. Liga-me a minha mãe.

- Blábláblá.
- Sim, sim. Correu bem. E tu, como estás?
- ...
- Má?
- Ana... Eu só quero que sejas feliz, filha... Que corra tudo bem.
- Mãe, não chores. Se não vou chorar tamém...

A minha mãe não é de dizer estas coisas. Sei perfeitamente que o sente, mas dizê-lo? Nunca.

Comecei-me a rir e mandei-lhe beijinhos e desliguei o telemóvel.
Depois fui a chorar até Waterloo.





Obriguei-me a parar com a choradeira que-é-sempre-a-mesma-coisa-e-já-mete-nojo-pá.

E pronto.
A Inglaterra é muito bonita :)