sexta-feira, 19 de abril de 2013

Eles eram um casal de belgas

Ela aguardava ida ao bloco.
Ia fazer curetagem.
Um aborto retido.

Sem dores.
Sem perdas hemáticas.
Nada.

Demos-lhe nalador.

Campainha acesa.
Entro no quarto, ela sentada na sanita.
Ele ao lado dela.

Ela explica-me que começou a sangrar.
Tranquilizo-a. Foi da medicação. Dou-lhe uma cueca fralda. Digo-lhe para permanecer na cama.

Campainha acesa.
Entro no quarto, ela sentada na sanita.
Ele ao lado dela.
Segurava em lenços ensanguentados.

Abro os lenços.
Lá estava ele.

Do tamanho de um fruto. Tipo uma pêra ou assim.
A marca dos olhos.
Os braços, as pernas.

O ser humano mais precoce que eu já vi.

Olhei para eles.
Baixei-me ao nível dela. Continuava sentada na sanita.

- Hey. How are you?
- I'm ok. Really.
- [Ainda bem, porque eu estou quase a desmaiar e preciso de alguém que me assista] Let's go to bed. I'll help you.

Deixei o quarto.
Os dois. Tão calmos.
Tão cúmplices.

E eu a tremer por dentro.
Sem saber se aquilo ia para o lixo ou para Anatomia Patológica.

Cheguei à sala de sujos e olhei mais uma vez.
A forma tão humana, já...

Foi para o lixo.