sábado, 26 de fevereiro de 2011

De volta

Quando cheguei a Viana e vi a minha cidade a brilhar na noite, o meu peito encheu-se de felicidade.
As saudades que eu já tinha da minh'alegre casinha...

Hoje fiz o caminho inverso.
A paisagem a passar rápido pela janela do comboio.
Casas de tijolo sob um céu nublado.
Gosto muito.
Também aqui, sinto-me em casa.

:)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Eu sou uma desgraça

Com datas.

Esqueço-me frequentemente dos anos dos meus amigos.
Mesmo dos meus favoritos.

Lembro-me dois dias antes.
No dia anterior.
E puf.
No dia, evapora-se da memória.

Segundo amigos meus, o Facebook avisa quem faz anos e em que dia.
Eu como não percebo nada daquilo, estou em desvantagem.

Lá com esta história do Facebook, recebi muitas mensagens de aniversário.
Mais do que estava à espera.
De gente improvável. Tipo a R., uma americana que conheci em Erasmus. Ela odiava-me.

'Tá bem que isto das redes sociais dá asas a muita hipocrisia.

Seja como fôr.
Eu gostei.
De todas as mensagens. Todas.

A todos os que se lembraram.
A todos a quem o Facebook lembrou.
A todos os que perderam uns segundos a escrever qualquer coisa bonita. Sentida ou não.

Obrigada.

O parabéns-a-mim

Numa versão que eu adorooo.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Momento-emigrantada, parte 2

No avião falam em português e eu já fico eufórica.

Chego ao Porto.
Limpo os olhos à minha mamã. Qu'imoçoum!
O meu pai embebeda-me com vinho tinto.

Já conduzi.
Já respirei fundo na praia Norte.
Já fui ao Continente. E vi ex-colegas minhas a olharem-me de esguelha.
Comi bolo rei torrado com manteiga ao pequeno-almoço. Que é bem melhor do que ovos mexidos com feijão, acreditem.
Comprei postais da minha terrinha para metade da população da Inglaterra.

Logo à noite, jantar com os amigos. E colinho. Muito colinho.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Momento-emigrantada

Portugal.
Sinto saudades.
Do cheiro das tuas praias.
Da tua gente e do teu fado.

Vejo-te Segunda.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O preço das coisas

Quando eu vim para a Inglaterra, ouvi coisas que nem queria acreditar.
Só pensa em dinheiro. Podia muito bem ficar em Portugal. Fazer uma Pós-Graduação e entretanto aparecia-lhe um emprego qualquer.

Vamos ser francos.
O dinheiro dá-me jeito cumó caraças.
Ganho aqui o dobro do que ganharia a trabalhar no meu país.
E isto dá comichão na língua a muita gente.

Enviei dezenas de currículos em Portugal. De norte a sul.
Consegui uma entrevista. Uma!

Vim para cá.
Apaixonei-me pelos cuidados paliativos e pela reabilitação.
Gosto muito do meu trabalho.
Faço dinheiro. Bastante.
Ok. Também trabalho à moda da escravidão.

Mas, meus amigos. Dizem vocês que isto é por dinheiro?

Só para que saibam...

Já saí do trabalho às onze e meia da noite e vim para casa a pé. Sozinha.
Nem um único carro a passar na rua.
Passo rápido. A dizer para dentro "está-tudo-bem-não-vai-acontecer-nada".

Já carreguei vinte sacos de supermercado até casa.
A pé. Sozinha. De noite. Sem autocarros disponíveis.

Já senti a falta dos meus pais.
Já falei com eles ao telefone e disse que estava tudo bem. E não estava.

Já me senti ridícula como enfermeira. Já me passou pela cabeça deixar o meu trabalho e ir lavar pratos para um restaurante.

Já tive dias maus e ninguém para partilhá-los.

Digam-me. É por doze libras à hora que aguento isto tudo?
Não é.

Até porque já tive dias em que não me importava de estar no Continente.
A ganhar uma miséria.
Mas ter segurança.
Ter o meu carro. Os meus amigos. Companhia. Facilidade em falar.
Tudo. Tudo.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

J.

O J. morreu hoje.
Cheguei ao trabalho às oito menos um quarto.
Mesmo a tempo de ver a agência funerária a levar o corpo.

Branco.
Boca aberta.
Pele dura.

Armei-me em forte. Não chorei à frente dos senhores da agência.
Mas fui a correr para a casa de banho.
Chorar sozinha até ficar com a cara inchada.

O J. tinha cancro esofágico terminal.
Era um senhor amoroso e sabia que tinha poucas semanas.
Um dia apanhei-o na cama, amarrado a um urso de peluche. A chorar.
Tinha medo de vir a precisar de fraldas.

Eu vi o J. a rir e a andar pelo próprio pé.
Vi-o perder cor.
Deixar de comer. Vomitar.
Mudei-lhe as fraldas.
Virei-o na cama.
Dei-lhe morfina.
Vi-o revirar os olhos. Perder a fala.
Vi-o coberto com uma toalha bordô e dourada.
E sem respirar.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Merda!

Jantar com os colegas do Centro.

Tema de conversa principal?
Trabalho.
Ah.
E sexo tam'ém.

Os enfermeiros conseguem falar sobre merda e vomitado às refeições.
E rir 'inda por cima.

O nosso remédio é rir.
Rir para disfarçar o cansaço.
E para não chorar, às vezes.

Um dia encontrei a D. coberta em poop.
Cabelo. Olhos. Meio das unhas. Tudo.
Estende-me a mão castanha.
- Nurse, look. What's this?

A R. está obstipada. Que é o palavrão médico para dizer que não consegue fazer cocó.
Tira bolinhas com o dedo.
Hoje de manhã apanhei-a a mastigar uma.

Há uns quatro anos atrás isto, provavelmente, punha-me a vomitar e enjoada durante três dias.
Agora consigo mudar uma fralda e tomar pequeno-almoço a seguir.
Deixa de fazer impressão.
Merda é toda igual.

Ponho-me a pensar.
Estou a trabalhar há (quase) quatro meses e fiquei insensível a um monte de coisas.
Será que me vou tornar uma enfermeira horrorosa?
Daquelas a quem já nada move?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

As mulheres

Sonham com príncipes montados num cavalo branco.

No meu trabalho conheci muitos príncipes.

Homens velhinhos.
Que visitam as mulheres que têm Alzheimer. Todos os dias.
Que lhes trazem chocolates porque elas só comem o que é doce.
E as mulheres gritam com eles. Batem-lhes.
E no minuto seguinte reconhecem-nos e desfazem-se em lágrimas.
As mulheres já não sexys. Eles já não têm sexo.
Une-os a felicidade de tempos que já lá vão.
E amor. Só pode ser amor.

Espero que todas encontrem os príncipes que desejam.
Mas não os subestimem se eles não aparecerem num cavalo branco.
É que eles andam aí, de calças de ganga e num carro normal.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

No que é que dá...

Juntar os amigos e uma garafa de Baileys, numa sexta à noite?

Perceber que a nossa memória está em excelente estado.
Ainda sabemos de cor as músicas dos Excesso e das Tentações.

Por que é que há gente com vergonha de admitir que já gostou da música do bicho?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Amanhã não trabalho

Nem sábado. Nem domingo.

Agora vou ali trabalhar seis horinhas e venho já.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Na Inglaterra...

Eu tive dias maus.
Muitas vezes, fiz o caminho trabalho-casa a chorar.
Já me senti burra. Ineficiente.
Já me perguntei em que raio de enfermeira me estou a tornar.
Como é que não me chumbaram na faculdade.
Já desesperei por não conseguir expressar-me em condições.
Já dei uma seca de dez minutos a um médico porque não encontrava um papel importante.

Os fracassos tornaram-me dura.
Não choro com facilidade. Excepto quando vejo filmes bonitos.

Na Inglaterra eu tive dias maus.
Mas mais bons do que maus.

Aprendi a gostar de chá com leite.
Comi ovos ao pequeno-almoço.
Ganhei num mês o equivalente a três meses em Portugal. Apesar dos descontos ordinários.
Fiz amigos. Muito poucos. Mas muito bons.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Horas extraordinárias

Todas a semanas.

E eu agradeço.
Quanto mais trabalho, mais eficiente fico. Modéstia à parte. Óbvio.

Quem diria que a tontinha da portuguesa - que chegou aqui a falar inglês pior do que uma criança de sete anos - seria capaz de fazer um turno da noite com dois andares à sua responsabilidade?

Quem diria que em três meses já iria conhecer todos os doentes do Centro pelo nome?
Orientar auxiliares?
Integrar novos enfermeiros?

Eu não diria.

Já disse que o meu trabalho me faz muito feliz?
:)