quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O preço das coisas

Quando eu vim para a Inglaterra, ouvi coisas que nem queria acreditar.
Só pensa em dinheiro. Podia muito bem ficar em Portugal. Fazer uma Pós-Graduação e entretanto aparecia-lhe um emprego qualquer.

Vamos ser francos.
O dinheiro dá-me jeito cumó caraças.
Ganho aqui o dobro do que ganharia a trabalhar no meu país.
E isto dá comichão na língua a muita gente.

Enviei dezenas de currículos em Portugal. De norte a sul.
Consegui uma entrevista. Uma!

Vim para cá.
Apaixonei-me pelos cuidados paliativos e pela reabilitação.
Gosto muito do meu trabalho.
Faço dinheiro. Bastante.
Ok. Também trabalho à moda da escravidão.

Mas, meus amigos. Dizem vocês que isto é por dinheiro?

Só para que saibam...

Já saí do trabalho às onze e meia da noite e vim para casa a pé. Sozinha.
Nem um único carro a passar na rua.
Passo rápido. A dizer para dentro "está-tudo-bem-não-vai-acontecer-nada".

Já carreguei vinte sacos de supermercado até casa.
A pé. Sozinha. De noite. Sem autocarros disponíveis.

Já senti a falta dos meus pais.
Já falei com eles ao telefone e disse que estava tudo bem. E não estava.

Já me senti ridícula como enfermeira. Já me passou pela cabeça deixar o meu trabalho e ir lavar pratos para um restaurante.

Já tive dias maus e ninguém para partilhá-los.

Digam-me. É por doze libras à hora que aguento isto tudo?
Não é.

Até porque já tive dias em que não me importava de estar no Continente.
A ganhar uma miséria.
Mas ter segurança.
Ter o meu carro. Os meus amigos. Companhia. Facilidade em falar.
Tudo. Tudo.

2 comentários:

  1. Quem diz que fazemos o que fazemos pelo dinheiro...não sabe mesmo o que diz. Somos obrigados a sair do país para exercer aquilo para que estudamos e ainda ouvimos este tipo de ofensas. Ficar a espera de um emprego...quê? 500 euros a recibos verdes? Ou nem isso? Não o fazemos por dinheiro, mas também não somos a madre Teresa! Dignidade precisa-se, quer pessoal quer profissional. Reconhecimento precisa-se...mas em Portugal só reconhecem os enfermeiros com "Muito obrigado por tudo que fez,adeusinho!", mas profissionalmente somos dos trabalhadores a quem se exige mais bagagem técnica e ciêntifica e isso não é reconhhecido.

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  2. Tem graça... eu sinto a crítica ao contrário. O "já tentaste lá fora? Ai se eu fosse nova como tu...". E não adianta explicar que, para mim, não compensa. Sabes o que te digo? Razão tinha o que escreveu "O Velho, o Rapaz e o Burro" - "O Mundo ralha de tudo, tenha ou não tenha razão (...)".

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