sexta-feira, 29 de junho de 2012

No Algarve


Há muitas pessoas.
E muitas pessoas… diferentes, chamemos-lhes assim.
Pessoas que saem de casa e não têm vergonha de mostrar quem são.
Que estão dispostas a levar com olhares. Gozo. Reprovação.
Mas ainda assim, preferem não fingir.

Eu bebo um bocado e fico insuportável. 
Falo com toda a gente. Implico, faço rir, rio-me, danço até o corpo não aguentar mais.

Ontem, na fila para um bar, vi aquilo que me pareceu ser um rapaz de 15 anos.
Falamos um bocadinho. Como devem imaginar, a minha taxa de alcoolémia na altura impediu-me de gravar o diálogo como habitualmente faço.

Só me lembro de qualquer coisa como:
- E tu estás a pensar que eu sou um rapaz, não é?

Olhei-lhe para o peito e vi que tinha maminhas.

Ela reparou na minha cara de confusa. Olhei para ela, ri-me, abraçamo-nos.
Ela voltou à mesa dos LGBT. Uma mesa cheia de aves raras.
Que saem de casa sem medo de ser quem são :)

quinta-feira, 14 de junho de 2012

E partiu

O P.
De quem falei no post anterior. Morreu ontem à noite.
Estavamos na passagem de turno.
O monitor registou uma bradicardia de 40. 32. Voltou aos 60. 50. Assistolia.
A minha colega passava o turno.

Levantei-me e fui ao quarto.
O corpo branco.
Já sem dificuldade respiratória. Já sem pulso na jugular.
Fechei-lhe os olhos.

O meu trabalho deixa-me ver muita coisa.
O início e o fim da vida.
E tudo o que acontece no meio.

domingo, 10 de junho de 2012

Olho para o P.


O corpo é frágil, magro.
A língua é uma pedra de tão desidratada.
Os olhos reviram
Os rins falham.
Tem espasmos.

Hoje aspirei-o.
Só porcaria a dificultar-lhe a respiração. E ele sem conseguir tossir.

O P. já não come.
Os meus colegas queriam entubá-lo.
Felizmente o médico não concordou.

Alimentar um corpo que está praticamente morto faz-me confusão.
Mas isso sou eu, que ao que parece, sou cruel e quero matá-lo à fome.

Penso no fio que o mantém aqui.
No fio que nos mantém aqui. A nós todos.
Como é frágil.

E apesar disso, no meu trabalho manipulamos o fio, muitas vezes com sucesso.

Já disse que adoro ser enfermeira?
E que no fim do primeiro ano da faculdade não me via a fazer isto?