sábado, 21 de agosto de 2010

Se és filha única,

és mimada. E não vale a pena contra-argumentares.

Os meus pais nasceram na miséria.
A minha mãe conta-me histórias de arrepiar os cabelos. Aos nove anos já carregava sargaço e andava descalça. Fazia recados às vizinhas para receber pão com marmelada. Viu o pai dela bêbado muitas vezes, depois de perder dinheiro a jogar às cartas.
Com treze anos, o meu pai trabalhava numa fábrica de chocolates à noite e ia para a escola na manhã seguinte. Dava o dinheiro todo à minha avó. Quando brincava era com um pneu velho de um carro e um pau.

Eu não gosto de ouvir estas histórias.
Penso nos meus pais muito pequeninos, com farrapos velhos vestidos e, provavelmente, com fome. Sem ninguém para os proteger. E fico muito triste.

Os meus pais só tiveram um carro quando eu tinha oito anos.
75% das minhas roupas eram da feira. 5% eram de marca, compradas especialmente para algum casamento. Os restantes 20% eram roupas em segunda-mão.
Nunca tiveram dinheiro para me oferecer o "Quem é Quem?".

Em compensação, o meu pai fazia-me problemas de matemática quase todos os dias. Porque eu lhe pedia. No primeiro ano, eu já sabia as tabuadas até ao 5. No terceiro ano, fiz a minha primeira equação do primeiro grau.
Lembro-me muitas vezes do meu pai a correr ao meu lado no Campo d'Agonia, enquanto me amparava a bicicleta sem rodinhas.
Lembro-me de o ver chorar, quando aos treze anos lhe disse que me achava gorda e feia e que me odiava a mim própria por isso.
Lembro-me de tanto, tanto...

... Que me empolgo e conto mais do que devia.

Bem.
Isto tudo para dizer que, dependendo da pespectiva, eu sou mesmo uma mimalhinha-mete-nojo.
Mas que ainda assim, decidi pôr-me a trabalhar enquanto espero pelos papéis que me legalizem no Reino Unido.

Sou operadora de caixa no Continente.
E todos os dias travo uma batalha. Abrir sacos plásticos! :)

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