sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Da Bulimia Nervosa

Para quem sofre desta coisa, dez mil calorias não são nada.

Dez mil calorias é o aporte energético recomendado para cinco dias, numa pessoa normal. Mais ou menos.
Num bulímico, dez mil calorias é o equivalente a um binge eating. Um episódio de compulsão. Uma perda de controlo. Uma só.

O tempo pára. O prazer está ligado ao máximo. O corpo anestesia quando o sabor nos chega à língua. O estômago dói de tão cheio. Mas nós não sentimos nada.

E depois saímos do transe. Cai a culpa, da qual nos livramos debruçados na sanita.
Alguns com escovas de dentes goela abaixo. Os que foram desenvolvendo a técnica e se tornaram mestres como eu, só precisam de água e concentração - para contrair o estômago e contrariar o sentido dos movimentos peristálticos. A minha cárdia 'tá toda lixada.

Quem pensa que os bulímicos são sempre magrinhos, engana-se.
Há bulímicos normais. Há bulímicos com ligeiro excesso de peso, como eu.
Nunca conseguimos esvaziar o estômago todo.

Depois entram os diuréticos, os laxantes, o exercício físico. E o jejum que vai acabar com mais dez mil calorias. E recomeça-se o ciclo.

Um dia, gostava mesmo de fazer um estudo de investigação sobre os distúrbios alimentares. Gostava de ter uma formação a sério, para além dos 55414587455645454545 livros que já li sobre o assunto. Gostava de ajudar pessoas na mesma situação.

O meu estado, neste momento, é latente. Nunca se sabe quando será a próxima recaída.
Consigo controlar-me mais-ou-menos.
Ontem comi um bolo de chocolate ao lanche. Se a vontade era chegar a casa e mandá-lo esgoto abaixo? Sim. Mas não o fiz.
Selei a boca até ao jantar. Comi sopa. Fiz duas horas de ginásio hoje de manhã.

As minhas estratégias para lidar com isto ainda não são eficazes.
Se fossem, eu já tinha esquecido o bolo.
O problema é que para além dos mecanismos compensatórios, eu ainda penso nele. Do quanto dele foi parar aos meus braços, às coxas, às mamas, ao fundo da barriga, ao rabo.


Hoje à noite vou jantar com os amigos.
Vou beber caipirinha, se deus quiser. Sim, sim, apesar do açúcar amarelo e do álcool que só tem calorias vazias.
Amanhã faço RPM.


Um bulímico vai-se curando devagarinho.

4 comentários:

  1. Anónimo, ainda bem que compreendes. Não estamos sozinhos :)

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  2. O limiar entre resistir e desistir é sempre demasiado ténuo para a bolimia ... a inconstância da vida na sua verdadeira ascenção!! Força =)

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  3. Dá nome para o que eu sinto. Coloca em palavras esse vazio que eu quero deixar partir sanitária abaixo.

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